quinta-feira, 26 de junho de 2025

CUNICULTURA SUSTENTÁVEL

 


CUNICULTURA SUSTENTÁVEL - BOAS PRÁTICAS PARA O BEM - ESTAR DOS COELHOS PARTE - 4

5. Manejo Sanitário e Prevenção de Doenças

A prevenção de doenças é um componente crucial do bem-estar animal e da produtividade na cunicultura. Coelhos, como animais de presa, possuem uma tendência inata a esconder sinais de doença como mecanismo de sobrevivência. Essa característica biológica torna a detecção precoce de enfermidades um desafio significativo, pois quando os sinais clínicos se manifestam, a patologia geralmente já se encontra em um estágio avançado. A limitada disponibilidade de vacinas para coelhos no Brasil agrava ainda mais essa dificuldade. Diante dessa vulnerabilidade, uma abordagem reativa ao manejo de doenças é frequentemente tardia. Assim, a cunicultura deve adotar uma estratégia de biossegurança e manejo sanitário extremamente proativa e rigorosa, que inclua higiene, quarentena, controle de pragas e otimização ambiental, como a principal linha de defesa contra doenças, em vez de depender fortemente de tratamentos ou da vacinação generalizada. A observação atenta e regular por parte de pessoal treinado torna-se, nesse contexto, uma ferramenta diagnóstica de valor inestimável.  

Higiene das Instalações e Equipamentos:

As instalações devem ser mantidas escrupulosamente limpas, sanitizadas e bem ventiladas para garantir a renovação do ar. A limpeza diária de fezes e urina é essencial, e as gaiolas devem ser mantidas secas para prevenir o desenvolvimento de doenças. Gaiolas, bebedouros e comedouros devem ser lavados e desinfetados regularmente, evitando o acúmulo de excrementos que promovem a proliferação de microrganismos patogênicos.  

Após a remoção de um grupo de animais, é fundamental um período de vazio sanitário, preferencialmente de uma semana, antes da introdução de novos coelhos, a fim de prevenir a transmissão de doenças do lote anterior. A implementação de barreiras sanitárias físicas, como uma distância mínima de 5 metros das instalações de alojamento, e filtros sanitários como ponto único de acesso, é crucial para evitar o contato com outros animais e garantir a autonomia sanitária da criação. O controle eficaz de roedores e insetos é vital, pois esses vetores podem disseminar diversos microrganismos patogênicos.  

Programas de Vacinação e Controle de Parasitas:

A vacinação representa uma medida preventiva fundamental para certas doenças infecciosas. A mixomatose, uma doença viral de alta virulência e letal, não possui cura conhecida, tornando a prevenção a melhor solução. Em regiões com surtos, a vacinação preventiva e a revacinação a cada seis meses são recomendadas, com eutanásia e incineração dos coelhos afetados. A doença hemorrágica do coelho, que causa alta mortalidade, tem vacinação indicada, embora não seja obrigatória no Brasil, e em caso de ocorrência, eutanásia e incineração são recomendadas. Para a raiva, não há tratamento formal, e a vacinação é aconselhada apenas para coelhos de estimação, sendo menos comum em criações comerciais. No Brasil, atualmente não há vacinas para coelhos disponíveis. Para o trânsito nacional, é exigida a Guia de Trânsito Animal (GTA); para o trânsito internacional, é necessária uma Autorização de Importação do MAPA.  

A ocorrência de doenças parasitárias é elevada em coelharias com má higiene, ventilação inadequada e umidade excessiva. A profilaxia para essas doenças baseia-se em boas práticas de manejo sanitário, que incluem o controle ambiental, a limpeza e a pulverização das instalações com acaricidas não tóxicos para os coelhos. Para a coccidiose, a aplicação de cal virgem ou superfosfato de cálcio em fossas e instalações é recomendada para prevenir a maturação dos oocistos. É importante evitar o contato entre gatos, cães e coelhos, pois esses animais podem ser portadores de microrganismos patogênicos. A eliminação de animais doentes com toxoplasmose e a desparasitação regular são medidas importantes. A interconexão entre higiene, ambiente e infecções parasitárias é evidente: condições ambientais subótimas criam um ambiente propício para parasitas, aumentando a incidência de doenças. Isso significa que o controle eficaz de parasitas não se limita à administração de medicamentos, mas depende fundamentalmente da manutenção de uma higiene ambiental impecável, incluindo o manejo da umidade e ventilação, o que pode reduzir significativamente a carga parasitária e resultar em animais mais saudáveis e custos operacionais mais baixos.  

Identificação de Sinais de Doença:

A observação atenta e periódica é crucial para identificar sinais de doença em coelhos, uma vez que eles tendem a ocultar seu mal-estar.  

Sinais Clínicos de Alerta:

  • Falta de apetite: Uma redução no consumo de alimento e água, acompanhada por uma diminuição no volume das fezes, pode indicar uma doença.  

  • Ranger de dentes alto: Embora coelhos possam ranger os dentes suavemente quando excitados, um som mais alto que o normal pode ser um indicativo de dor ou problemas dentários, como o desgaste inadequado.  

  • Prostração e isolamento: Coelhos que normalmente são curiosos e brincalhões, mas que se tornam quietos e buscam isolamento, podem estar doentes.  

  • Alteração no aspecto das fezes: Fezes líquidas ou mucosas (diarreia) são um sinal de alerta, diferenciando-se dos cecotrofos, que são fezes moles, brilhantes e ingeridas pelo coelho para absorção de nutrientes.  

  • Presença de secreções: Secreções oculares (conjuntivite, olhos inchados/vermelhos, descarga amarela densa) ou nasais podem indicar infecções.  

  • Falta de higiene: Coelhos são animais muito limpos. A súbita interrupção da auto-higiene pode ser um sinal de dor na coluna ou outra enfermidade.  

  • Coceiras intensas: Coceiras frequentes e intensas podem sinalizar problemas como sarna, otite, pulgas ou piolhos, frequentemente acompanhadas de perda de pelo ou lesões na pele.  

  • Tosses, espirros e dificuldade para respirar: Sinais de problemas respiratórios, como resfriados ou pneumonia, especialmente se a gaiola estiver exposta a correntes de ar.  

  • Emagrecimento e falta de pelos em algumas partes do corpo também são indicadores de problemas de saúde.  

É crucial não automedicar o coelho, pois isso pode dificultar um diagnóstico correto por parte do veterinário. Consultas periódicas com um veterinário especializado em animais silvestres são essenciais para a detecção precoce de quaisquer problemas de saúde.  

A Tabela 5 consolida os sinais comuns de doença em coelhos, servindo como um recurso prático para a identificação precoce de problemas de saúde.

Tabela 5: Sinais Comuns de Doença em Coelhos

Categoria do Sinal

Sinal Clínico

Observações/Possíveis Indicações

Comportamental

Falta de apetite (redução de alimento/água, volume de fezes)  

Sintoma comum de várias doenças.

Ranger de dentes mais alto que o normal  

Pode indicar problemas dentários ou dor.

Prostração e isolamento  

Coelhos curiosos/brincalhões que ficam quietos e se isolam.

Falta de higiene (parar de se lamber)  

Pode indicar dor (ex: coluna) ou outra doença.

Coceiras intensas  

Sarna, otite, pulgas, piolhos; pode vir com perda de pelo/lesões.

Fisiológico

Alteração no aspecto das fezes (líquidas/mucosas)  

Diarreia (diferenciar de cecotrofos). Observar persistência.

Presença de secreções (oculares ou nasais)  

Conjuntivite (olhos inchados/vermelhos, descarga amarela densa), problemas respiratórios.

Tosses, espirros e dificuldade para respirar  

Problemas respiratórios (resfriados, pneumonia), especialmente se exposto a correntes de ar.

Emagrecimento  

Perda de peso sem causa aparente.

Aparência

Falta de pelos em algumas partes do corpo  

Pode indicar parasitas ou problemas de pele.

terça-feira, 24 de junho de 2025

CUNICULTURA SUSTENTÁVEL

 


Cunicultura Sustentável: Boas Práticas para o Bem-Estar de Coelhos - Parte 3


4. Nutrição Adequada para a Saúde e o Bem-Estar dos Coelhos

A nutrição é um dos pilares fundamentais para a saúde e o bem-estar dos coelhos, influenciando diretamente seu desenvolvimento, imunidade e longevidade.

Requisitos Nutricionais Específicos:

Coelhos são herbívoros, e sua dieta deve ser predominantemente baseada em vegetais. A fibra é o componente mais crítico da dieta, devendo constituir cerca de 80% do total, proveniente de feno e verduras escuras frescas. O feno é vital para a saúde gastrointestinal, prevenindo distúrbios comuns como diarreia e timpanismo. Além disso, a mastigação constante de alimentos fibrosos é essencial para o desgaste mecânico dos dentes incisivos dos coelhos, que crescem continuamente ao longo da vida. A oferta de menos ração e mais fibras estimula a mastigação e, consequentemente, o desgaste dental adequado. A fibra é crucial para manter as funções intestinais normais e facilitar o trabalho mecânico do tubo digestivo. A literatura recomenda que o teor de fibra bruta (FB) na dieta esteja entre 12% e 17%, e nunca abaixo de 8% a 10%, pois quantidades inferiores podem reduzir o peristaltismo intestinal e provocar diarreias. Para um desempenho satisfatório e sem riscos de diarreias, dietas com 13% a 14% de FB são ideais. Teores mais elevados de fibra (15% a 20% de FB) são eficazes na prevenção da enterotoxemia e no combate a enterites. A fibra em detergente ácido (FDA) também é um indicador importante, devendo estar entre 18% e 24%.  

A ração balanceada, que compõe os 20% restantes da dieta, deve ser oferecida diariamente, em pelo menos três porções. No entanto, a ração, sendo um alimento energético, pode causar saciedade rápida, o que, se não houver feno suficiente, pode levar o coelho a não ingerir mais alimentos e, assim, não desgastar seus dentes adequadamente. Essa relação entre a composição da dieta e a saúde dental/digestiva é um aspecto de grande importância. Um desequilíbrio, com excesso de ração e pouca fibra, compromete diretamente dois sistemas fisiológicos vitais: o trato gastrointestinal e o aparelho dentário. A ração extrusada é formulada especificamente para coelhos. Para coelhos a partir de 30 dias de vida até o abate (70 a 90 dias), a dieta deve conter 16% de Proteína Bruta (PB) e 13% a 14% de Fibra Bruta (FB). Láparos (3 a 6 semanas de idade) necessitam de cerca de 18% de PB para um crescimento e conversão alimentar otimizados. Para o período total de engorda, uma dieta com 12% a 14% de PB é recomendada.  

A hidratação é tão crucial quanto a alimentação sólida. Água potável, fresca e limpa deve estar sempre disponível para os coelhos. O monitoramento da qualidade da água é fundamental, pois a contaminação pode afetar a saúde dos animais e até mesmo os resultados de estudos em ambientes de pesquisa. Bebedouros automáticos são uma opção econômica e devem ser de boa qualidade, sendo preferíveis a tigelas abertas que podem ser contaminadas. A limpeza e sanitização regulares dos bebedouros são essenciais. A água não é apenas um recurso para hidratação, mas um componente crítico da biossegurança e um potencial vetor de doenças se não for gerenciada com rigor. Investir em bebedouros automáticos confiáveis e de fácil limpeza, juntamente com a implementação de protocolos rigorosos de monitoramento da qualidade da água, pode reduzir significativamente a incidência de doenças transmitidas pela água, contribuindo para a saúde geral do plantel.  

A inclusão de vegetais e frutas na dieta complementa o feno e a ração. Verduras escuras frescas são altamente recomendadas. É importante notar que nem todas as verduras são benéficas, e algumas podem ter efeito laxativo. Verduras que podem ser oferecidas diariamente incluem rúcula, almeirão, couve (crua e sem tempero), acelga, escarola, chicória, talos e folhas de cenoura e rabanete, folhas de couve-flor e manjericão. Legumes, devido à sua digestão mais complexa quando crus, devem ser oferecidos a cada dois dias. Exemplos incluem folhas de brócolis (evitar talos), cenouras (ocasionalmente), beterraba (crua e sem tempero, evitar folhas), pimentão (sem sementes), salsão, coentro, espinafre, abobrinha (moderadamente), repolho (moderadamente, pode causar gases) e berinjela (moderadamente). Frutas são mais sensíveis devido ao seu teor de açúcar e carboidratos, devendo ser oferecidas como petiscos, uma ou duas vezes por semana, em pequenas quantidades. Maçã (sem sementes), pêssego (sem pele, cuidado com o caroço), melão, morango, manga (sem pele, cuidado com o caroço), kiwi (descascado), melancia, mamão (sem pele ou sementes, com moderação) e pera (sem sementes) são exemplos de frutas permitidas.  

Composição de Dietas Comerciais:

Um estudo detalhado sobre a composição de rações para coelhos comerciais demonstrou como diferentes ingredientes podem ser combinados para atender aos requisitos nutricionais. As dietas são formuladas para serem isocalóricas, isoproteicas, isoaminoacídicas (para metionina + lisina), isofibrosas (para fibra em detergente ácido), isocálcicas, isofosfóricas e isossódicas. Isso significa que parâmetros cruciais como Energia Digestível (2.550 Mcal/kg), Proteína Bruta (16%), Cálcio (0.8%), Fósforo Total (0.5%), Sódio (0.3%), Lisina Total (0.8%) e Metionina + Lisina Total (0.6%) são mantidos constantes, independentemente da variação de outros ingredientes. A gordura e a fibra em detergente neutro podem variar de acordo com a inclusão de componentes como o farelo de coco. Suplementos vitamínicos (como Vitaminas A, D3, E, K3, B1, B2, Niacina, B6, Pantotenato de Cálcio, Ácido Fólico, B12) e minerais (incluindo Colina, Cobalto, Cobre, Ferro, Iodo, Manganês, Selênio, Zinco, Antioxidante e Coccidiostático) são componentes essenciais para garantir uma dieta completa e balanceada.  

A Tabela 3 detalha os requisitos nutricionais para coelhos em diferentes fases da vida, fornecendo uma base técnica para a formulação de dietas.

Tabela 3: Requisitos Nutricionais para Coelhos em Diferentes Fases

Fase de Vida

Proteína Bruta (PB) (%)

Fibra Bruta (FB) (%)

Fibra em Detergente Ácido (FDA) (%)

Energia Digestível (ED) (Mcal/kg)

Láparos (3-6 semanas)

~18%  

-

-

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Crescimento e Engorda (geral)

15% - 18%  

-

-

-

Coelhos a partir de 30 dias até o abate (70-90 dias)

16%  

13% - 14%  

-

-

Período total de engorda

12% - 14%  

-

-

-

Geral (manutenção)

-

12% - 17% (nunca <8-10%)  

18% - 24%  

-

Dietas Comerciais (exemplo)

16%  

12.5% - 13.4%  

18.55%  

2.550 Mcal/kg  

A Tabela 4 oferece um guia prático sobre alimentos permitidos e restritos, auxiliando criadores e tutores na diversificação segura da dieta dos coelhos.

Tabela 4: Alimentos Permitidos e Restritos para Coelhos

Categoria

Alimentos Permitidos

Observações

Verduras Diárias

Rúcula, Almeirão, Couve, Acelga, Escarola, Chicória, Talos e folhas de cenoura, Talos e folhas de rabanete, Folhas de couve-flor, Manjericão  

Oferecer cruas e sem tempero. Escolher folhas escuras.  

Legumes (Moderação - a cada 2 dias)

Folhas de brócolis (evitar talos), Cenouras (ocasionalmente), Beterraba (crua, sem tempero, evitar folhas), Pimentão (sem sementes), Salsão, Coentro, Espinafre, Abobrinha (moderadamente), Repolho (moderadamente, pode causar gases), Berinjela (moderadamente)  

Digestão mais complexa quando crus.  

Frutas (Petisco - 1-2 vezes/semana)

Maçã (sem sementes), Pêssego (sem pele, cuidado com caroço), Melão, Morango, Manga (sem pele, cuidado com caroço), Kiwi (descascado), Melancia, Mamão (sem pele/sementes, moderação), Pera (sem sementes), Abacaxi (ocasionalmente, ácido)  

Sensíveis devido ao açúcar e carboidratos. Oferecer em pequenas quantidades.